NUVIC divulga e apoia manifesto do Fórum Catarinense de Educação Infantil (FCEI)

16/02/2023 20:09

O NUVIC divulga e apoia o manifesto do Fórum Catarinense de Educação Infantil (FCEI) em repúdio à declaração do prefeito de Chapecó, senhor João Rodrigues, em entrevista à rádio Condá, no dia 09/02/2023. Segue a íntegra da nota de repúdio:

PROFESSOR/A, SIM. CUIDADOR/A, NÃO!

A inserção da educação-cuidados das crianças de 0 a 3 anos no sistema de ensino, a partir da promulgação da LDB (9394/1996) criou muitos desafios, dentre eles, buscar responder: quem é a profissional a atuar nestes agrupamentos etários? Qual deve ser a sua formação? Pós-LDB, em especial com o advento dos anos 2000, os estudos e pesquisas sobre a Educação Infantil se adensaram e, ao olhar para o cotidiano das instituições, foram lançando outras perguntas. Decorre deste movimento importantes reflexões que orientaram e continuam a orientar as políticas para a Educação Infantil nas redes públicas de ensino do país. Questões como as posicionadas por Rossetti-Ferreira (2008) passaram a compor as reflexões em torno da educação e cuidados de bebês e crianças bem pequenas:

Como construir propostas pedagógicas adequadas para compartilhar o cuidado e a educação dessas crianças com suas famílias?

Como organizar os espaços e os tempos, de forma a acolher com qualidade as crianças e suas famílias, respeitando seus direitos? Como favorecer suas interações e brincadeiras, que constituem sua forma básica de explorar e de aprender? Como promover sua curiosidade, sua autonomia, com segurança, em todas as atividades, ampliando o grau de participação das crianças? Como propiciar sua inserção na cultura e nas mais variadas linguagens? Como colaborar para a construção de sua identidade e para aceitação e inclusão do diverso, do diferente? (ROSSETTIFERREIRA, 2008, apresentação)

Tais perguntas lançadas por Maria Clotilde Rossetti-Ferreira — uma referência mundial quando se trata da educação e cuidados de bebês e crianças bem pequenas —, por si só, respondem sobre quem deva ser a profissional a atuar nas creches com esses sujeitos de pouca idade. Há que ser um/a PROFESSOR/A, licenciado(a) em Pedagogia, com formação em nível de pós-graduação – preferencialmente, com estudos relacionados à educação e cuidados dessas crianças — e, sobretudo, com o direito garantido à formação continuada a ser ofertada pelas Redes de Ensino, formação esta que impulsiona esse/essa profissional a “promover práticas integradas de educação e cuidados […] pautadas nos princípios da gestão democrática” e que reconhecem a identidade das crianças e suas famílias, como postulam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009).

Nessa direção, é Rossetti-Ferreira (et al, 2008, p. 185) quem segue defendendo que “União, Estados e Municípios devem atuar não apenas no sentido de garantir a vaga em creche e pré-escola, mas de atender plenamente o direito à educação, o que necessariamente requer acesso com qualidade”. O que se quer afirmar com isso é que, SIM, a creche precisa de PROFESSORAS/ES FORMADAS/OS (LDB – art. 62) porque compõe e Educação Básica (LDB – art. 21) e, sob essa condição, o princípio orientador das suas ações é o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, em complemento a ação das famílias (LDB – art. 29). Vê-se, pelo amparo legal, todo um esforço para a constituição de políticas públicas que buscaram (e seguem na busca) romper com propostas assistencialistas, pautadas em “políticas familiaristas e domiciliares” (ROSEMBERG, 2015)2 que associam o cuidado das crianças pequenas à esfera do doméstico, da mãe. A luta pelo direito de bebês e crianças pequenas à creche ganhou as ruas, subiu a rampa do Congresso Nacional, como vimos com o movimento “Fraldas Pintadas”, que emergiu em 2005, com vistas a protestar contra uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 415) que excluía as crianças de 0 a 3 anos dos recursos do fundo das matrículas, ferindo, desse modo, o direito constitucionalmente consolidado desde 1988, de bebês e crianças pequenas à educação pública de qualidade socialmente referenciada.

Nessa esteira de conquistas, importante citar as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em pedagogia, licenciatura (Brasil/CNE, 2006), que em seu Artigo. 2º define:

Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (grifo nosso).

Sendo assim, não podemos retroceder quanto aos direitos dessas crianças, desde bebês. As leis e as normativas, como defende RossettiFerreira (et al, 2011, p. 195), “são resultado de lutas de diversos segmentos sociais, particularmente, de mulheres, de educadores, de militantes e de pesquisadores da área”. Sob essa condição, o FÓRUM CATARINENSE DE EDUCAÇÃO INFANTIL (FCEI) se une aos esforços das/os professoras/es da Educação Infantil de Chapecó, das entidades de representação dessa categoria (como é o caso dos sindicatos) e, sobretudo, das famílias chapecoenses, pela manutenção das/os professoras/es nos Centros de Educação Infantil Municipais (CEIM) que cuidam e educam crianças de 0 a 3 anos, recusando a contratação de “cuidadoras”, como manifestado pelo prefeito da cidade, sr. João Rodrigues, em entrevista à Rádio Condá, no dia 09/02/2023. Juntamente com a comunidade chapecoense, o FCEI levanta a bandeira de luta: “PROFESSOR/A, SIM. CUIDADOR/A, NÃO.

Mais do que a mera recusa pela nomenclatura “cuidador/a”, o FCEI se pauta no preceito legal de que essa é uma função legalmente reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), por meio da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)3, que tipifica a figura do cuidador na relação do trabalho com os idosos (CBO 5162-10 Cuidador de Idosos). Mas, sobretudo, recusa essa contratação porque entende que a dupla função da Educação Infantil — reconhecida pela Constituição Federal (1988) como direito de todo ser humano desde o nascimento (art. 205) e como direito social dos trabalhadores rurais e urbanos (art. 7º) — precisa ser exercida por PROFESSORAS/ES formadas/os, pósgraduadas/os (assim como nos demais níveis e etapas de ensino) afinal, como defende Ana Lúcia Goulart de Faria (1994, 215)4 — outra pesquisadora da Educação Infantil renomada mundialmente — uma creche é científica “não porque ensina a ciência, mas porque faz ciência: constrói e divulga novos conhecimentos, cria novos espaços, influenciando e sendo influenciada por vários setores da sociedade”.

Impulsionadas/os pelas importantes conquistas legais da Educação Infantil nas últimas décadas, não podemos retroceder quanto a educação e aos cuidados dos bebês e crianças pequenas nas creches públicas de Chapecó. Retrocesso esse provocado por projetos de desmonte da educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade social referenciada e, sobretudo, por total desconhecimento sobre a Educação Infantil e suas conquistas históricas que se expressam nas orientações oficiais e na legislação vigente.

Florianópolis-SC, 14 de fevereiro de 2023.

Fórum Catarinense de Educação Infantil – FCEI